sábado, 26 de junho de 2021

Aquarelas

Em 2019, no fim do ano, mais precisamente, dezembro, um vírus chamado Covid-19, assolou o mundo. O conselho para todos, em todas as partes da Terra era: FIQUEM EM CASA! Usem álcool em gel e máscaras. "Não coloquem em risco a vida dos mais velhos e, se possível, afastem-se de  amigos e parentes".  Iniciava assim o chamado "distanciamento social". Sim, a vida ficou mais solitária e não tinha outra alternativa a não ser reinventar-se. E foi o que fiz. no começo de 2020 Mônica Banderas — @monicabhanderas — surpreendeu-me com um estojo profissional de pigmentos em aquarela, um godet, pincel de pelo de marta e uma centena de folhas de papel canson Montval 300 g. Pinto em óleo, acrílico, pastel seco e oleoso desde o primeiro semestre do meu bacharelado em Artes Cênicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio), mas aquele presente abriu-me novos horizontes e comecei a pintar com Aquarela. O que virou ofício diário e exercício de paixão. Paixão esta que divido vendendo, por preços acessíveis e gratuitamente doando-me em lives no meu Instagram — @urhacy  — de amor e respeito aos sobreviventes desta pandemia. 

Passarei a postar minhas pinturas por aqui e quando der, também, meus escritos.

Das formigas, A toca - Aquarela - 15/04/2020

Meu espaço de trabalho em noites de solidão e de variadas Lives para o Instagram!



quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Minha mãe



 


Meu passarinho voou. vai com deus mãe. E obrigado pelo amor incondicional nestes meus 45 anos de vida feliz com você. Amor que foi recíproco e intenso. Silvana Veloso, Sergio Henrique, Eduarda Oliveira — com Silvana Veloso e outras 3 pessoas.

Palmira meu pecado puro/ água benta que purifica minha ira... / sou teu lado menino/ teu retrato masculino. ../ tenho até, mãe, teus olhos felinos/ adornados por cílios longos e finos... /sei que me amo, /porque te amo demais. .. /sei que tenho um lado bom /porque sou naco de ti /e teu útero santo me veste.



segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O planeta vai nos fritar, como fritamos sardinhas


Tem dias que não durmo. Tantas coisas me vêm ao pensamento que o sono some. Dentro de mim gritam árvores cortadas e animais retirados de suas mães – mães estas muitas vezes assassinadas como as mães primatas. Repenso cuidadosamente os motivos que levam homens, que são iguais a mim, a praticarem tamanho ato de crueldade...

Tem noites que viro e reviro na cama buscando alternativas: não bastam corredores verdes,
tratados políticos que ficam apenas no papel, se a gente continua comprando carros, extraindo petróleo, emitindo gases... Teríamos que estacionar a produção do elemento mais tóxico ao planeta: o homem.

A terra chegou ao seu limite e dá fortes sinais de que está perecendo, morrendo, sufocando. Como não pode falar mostra sua agonia com aumento da temperatura, com desequilíbrio das estações, com o degelo dos polos e tantos outros berros. E nós fingimos, ignoramos o fato.

Vejo programas como “Whale Wars”, cuja finalidade é conscientizar o mundo contra a matança de baleias e me pergunto: com tanta tecnologia e informação será que os governantes do planeta precisam ser conscientizados de que as baleias estão sendo extintas?

Penso que governantes, são pessoas esclarecidas e que podem criar leis, acordos internacionais pelo bem do planeta. Bem simples: se cachalotes , sardinhas, atuns, esturjões, estão a beira da extinção, precisamos parar de depredá-los e dar tempo para que reestabeleçam suas populações. Não precisa ser gênio pra saber que precisamos cuidar da saúde dos oceanos. Não precisamos gastar milhares de dólares conscientizando o que está estampado no nosso focinho: as riquezas naturais são finitas.

Tem dias que durmo, porque simplesmente esqueço-me das minhas dúvidas, incertezas e divagações...

quarta-feira, 20 de março de 2013

Do trigo do Nilo a cana do mundo

 

Rio Nilo

 

Eu amo o novo, mas tenho profundo respeito e paixão pelo antigo. Através do antigo escrevemos história. História de nós mesmos. História de como evoluímos. Também podemos tirar do antigo, base para não repetirmos tragédias, declínios.

Foi basicamente por alimento que Roma expandiu seu poderio durante o governo de Cesar. Foi por comida que tiraram do trono o último Faraó do Egito: Cleópatra. Não foi porque Marco Antônio vivia em luxúria com a linda rainha, mas porque Otaviano queria os grãos do tão farto Nilo.

Hoje buscamos não só comida, mas fontes alternativas de energia. Plantamos cana-de-açúcar em muitos lugares que plantávamos milho, trigo, arroz e muitos outros cereais e frutas. Deste modo, o mundo moderno precisa de mais suprimentos para se manter. E pelo menos dois suprimentos básicos: alimento e energia. Para produzir ambos desmatamos o pouco que resta da floresta primal e ao destruir a floresta estamos destruindo outro grande importante recurso natural e essencial à vida: água. E como se não bastassem toda esta problemática de produção exacerbada de recursos para suprir as necessidades deste período em que existimos, nós ainda agravamos produzindo em escala nunca vista antes, novos seres humanos. O mundo esta ficando sobrecarregado do bicho que mais deu certo neste planeta: o homem. E não damos conta disso. Fazemo-nos de desentendidos. Fechamos os olhos numa cegueira proposital.

Neste meu canto, lindo e mágico que construí para habitar com plantas e animais me pego pensando diariamente em algo que trouxesse alguma iluminação para o caos que se aproxima. Como homem do campo que fui, sempre soube da fragilidade das safras. Basta não chover na época certa que não se produz grãos, frutas etc. Não se produz alimento. O que temos de estoque de ração básica para alimentar quase sete bilhões de estômagos humanos? Aguentaríamos sete anos de safras péssimas?

Eu me pego pensando, indagando a mim mesmo e sempre são dúvidas, incertezas, divagações, solitárias e sem ecos.

sábado, 16 de março de 2013

Enfim…

 

 

Não sou religioso, embora tenha sido criado em família de católicos fervorosos, mas com relação a assuntos como:

1) aborto, permitir retirar uma vida, ainda que no ventre é o mesmo que permitir matar um ser humano adulto, até pior, pois é um ser totalmente indefeso; 2) sobre celibato obrigatório: o exercício do sacerdócio requer celibato, ou seja, é uma condição e se entra para o seminário sabendo desta regra, quem já é padre e quer ter esposa, simples demais da conta: deixa o exercício da fé e passe a viver como qualquer outro homem; 3) sobre casamento gay: é até um atraso na mentalidade dos gays que sempre foram libertários e quebradores de regras (ninguém está proibindo ninguém de ser religioso, apenas o casamento "aos olhos da igreja católica" tem a função da procriação); 4) sobre escândalos e crimes envolvendo padres: expulsão e e penas iguais a qualquer outro criminoso.
Temos que entender que a religião católica tem sua base nas escrituras sagradas e o papa, os cardeais, bispos, padres, párocos seguem o que em "tese" foi escrito pelos "santos", e as escrituras são inquestionáveis para a igreja. É questionável, claro que é, mas é questionável para quem não é religioso, e o que importa a religião pra quem não é religioso, para quem não vai a missa? Quem não é religioso deve apenas: RESPEITAR.
Para mim seria a grande iluminação do ser humano entender o real significado do verbo respeitar. Assim a gente pode até tirar de Jesus Cristo o "divino" e pensar nele apenas como homem que pregou dois verbos primordiais: respeitar e compartilhar. Seríamos muito, muito mais felizes praticando estes dois verbos, pode apostar.
Enfim, mistérios, dúvidas, incertezas e divagações.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

E o pastor falou…

 


Acabei de assisti a entrevista da Gabi com o pastor: eu não tinha assistido. Só reforça minha indignação. Historicamente as religiões protestantes surgiram para questionar a igreja católica (fundadora do cristianismo). Ganharam força com Henrique VIII que rompeu com Roma quando o papa não anulou seu casamento com Catarina de Aragão para ele se casar novamente com Ana Bolena. Ao meu ver já começou tudo errado. A igreja católica deveria cobrar direitos de uso da Bíblia, escrita pelos apóstolos (novo testamento, até porque depois de Cristo, só o que interessa é o novo tentamento); deveria cobrar royalties pelo uso do nome de Cristo, afinal quem manteve vivo, por 1500 anos, antes do surgimento das religiões protestantes, o nome e os ensinamentos de Cristo foi a Igreja Católica. Isso se a gente for pensar em dinheiro, influência e poder. Por outro lado se a gente for pensar nos ensinamentos de Cristo observa-se um tremendo uso da palavra "sagrada" da forma mais incorreta possível: 1- Jesus não deixou nada escrito como sendo suas leis; 2 - tudo o que é feito, proferido, ensinado é totalmente incoerente com o verdadeiro proposito de Jesus: amar, respeitar, compartilha, etc, tudo isso sem nenhum envolvimento financeiro, apenas praticar o bem sem benefício pessoal. Masssssss a vida gira em torno de dinheiro, poder, influência... enfim, dúvidas, incerteza e divagações... Amém!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Eu grito!

 

Eu teimo desde que nasci. E eu nasci preto, estrangulado pelo cordão umbilical, língua presa e, segundo minha avó Dita: eu nasci morto! Mas eu teimei e minha tia, também Benedita, e parteira me deu uns tapas na bunda e eu gritei. Eu grito! Eu aprendi a gritar desde o momento que apanhei pela primeira vez! E como eu gosto deste mundo! Tem dias que são tão negros, devastadores. Aqueles dias que a gente nem devia acordar para enfrentar tantos problemas, mas mesmo assim qualquer dia é um milagre, porque viver é poder observar os saguis no quintal, os pássaros voando; ouvir cigarras cantando, grasnados, grunhidos, latidos, miados, relinchos e ter desejo de pôneis cavalgando, nos campos que imagino. Eu tenho a força de mil cavalos apaches, no cio!

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Dúvidas, incertezas e divagações…

 

 

O facebook me pergunta: "Como você esta se sentindo, Urhacy?" Impotente!!! Estão destruindo nossas florestas, nossos animais, nossos mananciais... estão poluindo os oceanos. Estão, até, matando sereias... e eu? eu não consigo fazer nada para impedir que o planeta agonize.

 

Urhacy Faustino (no Facebook)

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Eu quero sim, quasar com você!



Minha permanência com você é sempre uma experiência de montanha russa,
ou um observar de telescópio, em silêncio, na noite escura: a grande ursa.
Depois varrer, vasculhar, caçar evidências — entre as constelações — de quasar
em ação! Como se precisasse: você é um buraco negro em total funcionamento:
atividade constante, força, atrito, contração, contradições, polaridades, ondas
e uma gravidade desconhecida, incomum que me puxa e me fixa em cada poro.
Cada ato seu é como os átomos que se aceleram com esta tua energia radioativa
contagiante. Gripe, encefalite, rinite, fome voraz e febre. Tudo misturado
e uno. Grande omelete com trufas , ovas de esturjão e jambu. Língua dormente,
sede! Sede de vinho e água de montanha. Boca úmida e apetite das baleias azuis!
Literalmente impossível fugir do teu imenso horizonte de eventos!!!
Com você é falida a teoria do Big Bang. Não, não é só uma gigante explosão!
Não é apenas um universo. Teu universo é complexo, é um Cenário Ecpirótico:
gigantesco, novo, ligado por cordas. Túneis de quasares: túneis de você mesmo.
Explorar tua essência tem sido um desafio astrofísico, onde não se aplicam
nenhuma das leis e teorias, mas confesso: no teu denso epicentro, me concentro.

Urhacy Faustino, hoje, 18 de julho de 2012

 

 



domingo, 19 de fevereiro de 2012

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Os poderes do alho

 

Papai sempre planta alho

no dia de Santa Luzia.

“Dia certo para plantio

é colheita garantida”.

Palha de arroz sobre o canteiro

e nem precisa de chuva:

o orvalho cuida dele…

Depois, a colheita

e as tranças das réstias

secadas num varal,

sobre o fogo de lenha.

Fogo, terra, orvalho e ar…

“Crença?, nem pensar!'” — desdenha.

Papai insiste em negar.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Sexta-feira





Só paz,
não havia pernilongo voando.
Eu hibernava!

E hibernava
o uivo de mil lobos.

Era espera.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Anunciação

garota namorando um grafite

Não é sólido e nem tem corpo,

mas me enche de verdade.

Leve feito brisa me toma, sereno, toda noite.

Sua voz — de veludo e seda — me seda

e tenho sua silhueta meio fog, tênue e suficiente.

Assim é meu anjo meio gente!

Sempre aparece rindo — infalível contágio —

como dizer não?

Desarmo, desando, fico molinho...

Me derreto e arrisco no que o anjo quer.

 

Lembro Maria Helena e seu anjo-xícara,

tão frágil, tão preciso.

Leio Rilke e suas criaturas necessárias à alma.

Eu sempre invejei os possuídos

ou possuidores de seres inefáveis.

Hoje, envergonho-me da minha cobiça.

Precisava chegar a hora certa,

o meu anjo-fog não viria de véspera.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

 



Às vezes o anjo-fog

se torna aceso, indomável

fica fogo.

 

Às vezes, o anjo fogo

fica arisco, daí não arrisco,

porque foge.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Colibri deflora os chats - Sexo Amizade e Amor pela Internet

    Urhacy Faustino
    Capa: Vando Coutinho
    Prefácio: Leila Míccolis
    Editora Blocos, RJ
    romance, 224 páginas
    "Pela primeira vez alguém escreve sobre esta nova forma de contato. Tão intensa, tão falsa, tão verdadeira, tão confusa, tão explicita, tão implícita, tão rara, tão comum... viajo como um peregrino por suas páginas.
    Depois de ver como Urhacy Faustino dissecava o momento virtual em que vivemos, me dei conta de que o futuro tinha entrado pela porta dos fundos; e tudo mudara. As relações agora eram outras. Pautadas pela mescla do real e do virtual, ora se completando, ora se estranhando. Mas sempre criando um novo link: entre minha pessoa e um novo processo de conhecimento, ou de reconhecimento. A tela protegia, mas a fantasia ganhava asas nunca imaginadas. Provavelmente a internet seja hoje um dos poucos territórios realmente livres. A imaginação navega, os mares são inventados, mas os rochedos, reais."

    Alcides Nogueira
    dramaturgo e autor de novelas da TV Globo

    ......................................

    VÔOS CIBERNÉTICOS E TRANSGRESSÕES TRANSGREDIDAS EM COLIBRI DEFLORA OS CHATS: SEXO, AMIZADE, E AMOR PELA INTERNET (1997)

    Se vocês me permitirem, gostaria de abrir minha comunicação hoje com uma citação que, ao meu ver, destaca a estética poética do cibernético e, ao mesmo tempo, nos provoca a pensar em como teríamos reagido se Caetano Veloso tivesse cantado "Navegar é preciso" nesta altura da Internet oferecendo-nos tantas realidades simultaneamente virtuais. A passagem foi construída por um arquiteto norte-americano chamado Marcos Novak, ao apresentar uma comunicação no ano de 1990 (é-no outro milênio) durante O Primeiro Congresso Internacional de Ciberespaço na University of Texas at Austin. Não me atrevo a traduzir o verso para o português, pois prefiro que Caetano ou outro MPBista faça bem melhor o mesmo dever com a sua arte musical. É o seguinte:

    "Cyberspace is poetry inhabited, and to navigate through it is
    to become a leaf on the wind of a dream."

    Quem nos disse que a estética pós-modernista não nos permite um grau de romantismo, hein?
    Mas eu não estou aqui para poetar nem para surfar. Gostaria de curtir um vôo junto com vocês, uma peregrinação cibernética que nos leva a uma determinada sala de bate-papo (ou seja, chat room) nalgum território brasileiríssimo que paradoxalmente ocupa simultaneamente o ciberespaço universal e desterritorializado. Gostaria de problematizar noçðes de ficção durante esta viagem, da perspectiva pós-moderna, indagando como esse texto consegue ultrapassar os limites da transgressão já inscritos dentro dos parâmetros da teoria pós-modernista. Talvez a primeira transgressão deste texto que pretendo analisar hoje seja a impossibilidade da sua classificação genérica. Colibri deflora os chats: Sexo, amizade e amor pela Internet, escrito por Urhacy Faustino em 1997, resiste até a narratividade. Mas antes da nossa decolagem coletiva, vamos esperar só um minutinho para olhar as possíveis saídas do avião em caso de emergência e para contemplarmos o valor de participar desta viagem no primeiro lugar (e, espero, na primeira classe). Vale a pena acompanhar a viagem, especialmente no hi-tech "hiper-texto" da atualidade, os incessantes e inesperados choquinhos e buraquinhos eletrônicos provocando ansiedade e nojo no meio do caminho? Acredito que para entendermos melhor o pensamento pós-modernista feito ainda mais complicado em tempos cibernéticos, é preciso navegar, sim. Como afirma Marie-Laure Ryan na Introdução de Cyberspace Textuality: Computer Technology and Literary Theory, uma coletânea importantíssima de ensaios e artigos publicado em 1999 pela Indiana University Press: "In postmodernism, the ideal of the total work gives way to the idea of universal intertextuality: every individual text is linked to countless other ones, and the whole is reflected in every [one] of its parts . . . In the electronic age, thanks to the hyperlink, the text literally becomes a matrix of many texts and a self-renewing entity" (14).
    O texto que vou comentar com vocês tem muitos outros traços pós-modernistas, inclusive uma celebração lúdica-na verdade, quase que carnavalesca-e uma certa autorreferencialidade irreverente que quer testar os limites da sua própria transgressão. Como diz Robert Wilson no seu artigo fundamental, "Play, Transgression, and Carnival," a vontade de quebrar regras constitui parte fundamental do universo da transgressão na literatura pós-modernista. Wilson até define o uso de transgressão como uma espécie de rito de passagem entre o moderno e o pós-moderno, destacando que no universo do pós-moderno, "All language may be said to transgress itself: it always subverts, through its inherent abstractness and arbitrariness, the conventions of its speaking, or its writing, even if that is not readily perceived."
    Em Colibri deflora os chats, percebe-se muito bem este processo, colocando em prática exatamente o que Wilson destaca na teoria: uma qualidade mansamente brincalhona, uma postura lúdica quanto ao leitor e ao texto em si. Na verdade, uma entrada no infinito espaço de ciberespaço possibilita muitos jogos lúdicos de um processo que gostaria de chamar de "brincadeira produtiva." É muito bom lembrar o conceito que Marie-Laure Ryan destacou no seu texto referido um pouco antes: "If we live in a 'virtual condition,' it is not because we are condemned to the fake, but because we have learned to live, work, and play (AND PLAY) with the fluid, the open, the potential" (94). A força libertadora da transgressão pós-moderna (como quer Wilson) parece encontrar seu valor mais profundo justamente dentro deste universo repleto de infinitas possibilidades virtuais. Ryan expressa esta abertura para a liberdade sucintamente quando escreve: "The attitude promoted by the electronic reading machine is no longer 'what should I do with texts' but 'What can I do with them" (99).
    Colibri deflora os chats serve como um manual de possibilidades. Urhacy Faustino, artista, poeta, e "internauta" paulista, publicou este texto em 1997, apresentando ao leitor três personagens principais (ou seja, "screen names") da sua invenção: colibri; hhhh; e virgem. O principal objetivo para esta galeria de personagens é navegar a rede, voando, de madrugadinha, desde uma sala de chat para outra, em busca de compatibilidade cibernética, de cibersexo ou às vezes apenas uma boa dose de "redamizade." Ao longo dessas viagens eletrônicas, estas personagens também procuram entender (ou pelo menos exibir) as complexidades do instinto sexual humano e a construção de identidades cibernéticas em fluxo, revelando e descobrindo múltiplas subjetividades através de assumir uma variedade de máscaras carnavalescas, desfilando-se numa parada de "screen names" e "nicknames."
    Colibri deflora os chats leva o leitor a novos limites dentro do universo infinitamente aberto de transgressão. O texto nem deixa a gente contemplar com aquela velha perspectiva cética do pós-modernismo, querendo saber o que acontece quando a própria transgressão acaba se transgredindo, ou seja, is anything REALLY transgressive anymore? Vários teóricos da "e-culture," se me permitirem a expressão, já afirmaram que quando as palavras pulam da página para a tela, o processo de leitura vira mais flexível e interativo. O leitor, com este grande poder de modificar, de manipular, de sujar o texto, literalmente converte-se em seu autor. Existe também um paralelismo instrínseco entre as salas de chat e a ficção, pois todo mundo faz "scripts", inventando identidades, mascarando-se no palco. Um menino de 14 anos, por exemplo, pode se metamorfosear (ou seja, a pergunta frequentemente feita, "M or F", morf) virtualmente em mulher de 21 anos.
    Tudo bem . . . mas o que acontece-o que podemos dizer-quando as palavras flutuando na tela voltam para a página escrita, ironicamente fixando o "hipertexto" dentro de um posicionamento tradicionalmente rígido e permanente, ou seja, transgredindo o estado, digamos, "natural", da sua aparente liberdade e re-inserindo-se dentro da prisão da página escrita? É como se fossem palavras vivas, em construção contínua, transformadas em palavras mortas, estagnadas… Pensem na relativa liberdade do Carnaval antes do re-estabelecimento da "ordem" hierárquica depois daqueles dias dionisíacos de festa e de folia . . . Quais as implicações estéticas e as conseqüências formalistas evidentes na transposição de uma dança eletrônica de palavras encontrando-se limitadas novamente às páginas permanentemente marcadas de um livro, palavras transformadas em produto pronto para ser consumido? E o que nos indica este fetichismo de construir um transcrito, de tirar uma foto de palavras eletrônicas em movimento para que o dinamismo vivo delas se converta em apenas memória (em apenas aquela "folha no vento de um sonho")?
    Acho que encontraremos algumas destas respostas ao referir-nos ao texto em si. Colibri. . . lê-se como uma série de dez sessões de chat cujo principal fio organizador é as "viagens" dos personagens destacados. Como se classifica tal texto? A sua clara divisão em capítulos, o progressivo desenvolvimento dos personagens, e a consistência da temática gera uma certa continuidade que nos faz pensar no gênero romanesco, apesar dos enredos e situações pouco convencionais. Esta aparente continuidade estabelece-se também no final de cada capítulo, embora de uma maneira brusca e irônica, com as palavras "Transferência Interrompida." Cada sessão de chat termina de repente, sem resolução nem despedida. No entanto, o texto, uma coletânea de conversas que gostaria de chamar de "dial - log -ins," usa e abusa os meios eletrônicos da comunicação de uma maneira tão informal e espontânea que parecem imitar a convenção do diálogo que se encontra no teatro, tendo muito a ver com a arte da improvisação. O livro, pois, pode ser lido e apreciado também como peça de teatro. Mas existem várias outras (infinitas, eu diria) tipos de leituras: talvez o texto seja um estudo sociológico ou até antropológico de como os "internautas" se encontram, se perdem, e se desdobram nas salas de chat. Ou talvez a narração sirva para apresentar uma nova língua do novo milênio, empregando um hiper-texto experimental baseado nas convenções da "redês" (ou seja, a linguagem da Internet), inclusive a falta de acentuação, a falta de letra maiúscula, a falta de pontuação, tipo negrita para expressar desabafos emocionais, descuido com a ortografia correta, e outras feições do tipo? Será que o emprego deste novo "jargão" chega a criticar uma linguagem particular neologistica e ceticamente identificada no texto como "CHATura"? Tem mais possibilidades, mais potencialidades, mas como o tempo da nossa sessão se mede em "real time," vou apenas destacar mais três modos de possível interpretação. Colibri… tem o valor cinemático e performativo de uma tele-novela, embora não atinja a alta qualidade que esperamos da novela brasileira. Por outro lado, o leitor crítico até pode perceber o texto como se fosse um manual de instrução pseudo-didático, ditando comportamentos responsáveis enquanto se visita as salas de chat. No lugar do convencional Prefácio ou Nota do Autor, o leitor encontra uma listinha meio séria consistindo de dez ítens, oferecendo as "Dicas para um bom relacionamento sexual, amigável ou amoroso, pela rede." Mais interessante ainda é o fato que este texto de certa maneira atualiza a fantasia pós-moderna (e portanto o pesadelo do crítico literário) de misturar e confundir quaisquer diferenças entre autor, personagem, ator, e espectador.
    Apesar da enorme versatilidade de possíveis classificações, gostaria de oferecer, nos poucos minutos que me restam, uma leitura "sacanagística" deste texto, se me permitirem uma transformação neologística do substantivo "sacanagem" para seu equivalente e inexistente adjetivo. Em Colibri deflora os chats…, predomina a imagética de pássaros e de vôo. A protagonista colibri se caracteriza como carioca de 17 anos em estado de "quase virgem." Só depois de chegarmos ao quinto capítulo é quando entendemos o significado do "screen name" que ela adotou. Durante uma das suas ciber- conversas, ela tecla: "colibri e um passaro tropical que vive de nectar e por isso tambem e conhecido como beija-flor. Uma delicadeza que so a natureza poderia criar (91)." Interessante notar aqui, de passagem, o contraste estabelecido entre a natureza e a tecnologia. Durante Capítulo 1, "O primeiro vôo," colibri sustenta um violento ataque eletrônico feito por um chatter (digamos "chateiro"?) chamado de "Bob." Este "Bob" insiste para colibri revelar se é homem ou mulher para que ele possa seguir com suas fantasias sexuais. Depois de ignorar pela terceira vez a pergunta do persistente Bob, aliás, ironicamente querendo estabelecer certezas definitivas apesar do caráter totalmente fictício do chat, colibri responde finalmente, em texto do tipo negrito (ou seja, gritado): "…respondendo a tua pergunta: depende da tua fantasia. A principio colibri é colibri" (17). Depois deste assalto sobre uma identidade enigmática que ela queria manter escondida, colibri se recupera e relata o incidente a outro chatter, que acaba defendendo colibri e atacando o Bob, desta vez com letras negritas E simultaneamente maiúsculas. Colibri agradece o apoio e dá-se conta que seus vôos cibernéticos podem ser até perigosos, pois outra raça de pássaro bem mais agressiva também ocupa as mesmas ondas de ciberespaço: "cara, voce nem me conhece e me defendeu. Vou seguir o teu conselho: cuidarei do meu voo e evitarei os urubus" (17). Aprendendo aos poucos as regras do jogo, por assim dizer, a nossa colibri vira cada vez menos "virgem" e mais "esperta".
    Os urubus que abundam não são os únicos malandros do texto com vontade de cometer sacanagem no seu sentido negativizado. Na verdade, o pior vilão em todo o território do ciberespaço é, sem dúvida, o "hacker." Este personagem aparece ao longo do capítulo chamado de "Sexo virtual ménage," procurando assumir e representar a identidade de outros "screen names" com a cruel meta de estragar novas amizades cibernéticas em formação! And he or she would have won, too, if it had not been for colibri, de certa maneira nossa heroína! Quando ela se dá conta do "e-sacana," começa a avisar para todos os outros participantes da sala de chat que todos estão sendo enganados por um voyeur possuindo as identidades (ou seja, os screen names) de outros chatters na sala. Grita: "GENTE, TODAS AS MENSAGENS QUE NAO TEM NICK ANTES DOS DOIS PONTOS SAO FALSAS . . . ATENCAO!!!" (102). Interessante notar a insistência em realidades solidificadas, dado que o meio da comunicação é virtualmente impossível. O / A "hacker" consegue mascarar-se usando e abusando a identidade de outros personagens na sala, temporariamente provocando interações hostis entre os "internautas." Este aspecto meio carnavalesco do vôo constitui apenas uma entre várias expressões metafóricas de adotar, assumir e desempenhar identidades performativas pós-modernistas. Na verdade, o leitor crítico não consegue fugir do seu próprio estado de vítima, pois os diálogos ao longo do texto são cheios de enganos e desilusões-enfim, sacanagem por excelência. Reconheça quanto reconhecer os traços, as características dos personagens no texto, o leitor cuidadoso permanece na dúvida. Por exemplo, o primeiro "screen name" a revelar seu "nome verdadeiro" (se nele acreditarmos), faz isso-e com muita cautela e resistência-somente durante o sexto capítulo. Personagem secundário MATT DILON perde sua grandeza a se transformar em "just" Leonardo, encorajado a revelar seu nome verdadeiro enquanto bate o papo com "virgem," com quem percebe uma crescente intimidade "internauta." O suposto desmacaramento do Leonardo provoca outro "coming out," desta vez bem mais pessoal: virgem se desmacara e transforma-se em Fabrizio, identificando-se como homem gay que supostamente nunca vivenciou uma experiência sexual com outro homem. O primeiro personagem a fornecer informações "reais," ou seja não-virtuais, faz isso somente ao final do nono capítulo, quando virgem / Fabrizio lhe dá seu telefone e endereço residencial para matt dilon / Leonardo. O capítulo nove chama-se "Adeus, virgem," refletindo muito bem a decisão deste personagem de abandonar a segurança conseguida pelo nome "virtual" e virar dono do seu nome "real." Nesta altura do diálogo, Leonardo e Fabrizio combinam um encontro "real," ou seja físico, mas esta reunião não se desenvolve no texto. E com boa razão: a realidade não-virtual não entra nas suas páginas.
    Colibri, por outro lado, cultiva sua identidade cibernética de tal maneira que, ao proclamar seu afeto pelo Eros, ela insiste, quebrando o coração cibernético dele: "so posso ser tua pela Internet" (21). A quentemente debatida questão da monogamia se encontra relevante também na esfera dos encontros virtuais, pois Eros acusa colibri de infidelidade simplesmente porque ela resolveu estabelecer e manter relações cibersexuais com outros chatters que freqüentam a sala. Interessantemente, colibri equivale sexo virtual com virtude em si, destacando em determinado momento que "nosso namoro e virtual, virtuoso." Na verdade, a virgindade e a virtualidade são repetidamente justapostas ao longo do texto. Com a crescente subordinação de noções físicas da realidade baixo a superioridade da realidade virtual, acontecem alguns momentos marcantes e deliciosamente engraçados, como quando um hhhh sexualmente frustradinho grita para ZOOFILA: "nao estou sentindo sua chupada. Voce esta me chupando ou nao??????…" (110). Durante vários encontros estabelecidos pela sala de chat, um personagem recebe por acaso (ou talvez interceda propositalmente) uma mensagem direcionada a outro chatter, revelando portanto um entre vários perigos de tais vôos.
    Mas ali não pára a sacanagem do texto, não. Ao longo do livro, o gênero (no sentido de "gender") muitas vezes resulta ser ambíguo, alguns personagens assumem simultaneamente múltiplos "screen names" e outros entram em duas salas de chat ao mesmo tempo, sob a máscara de diversas identidades. Interessante notar aqui que a tensão dramática implícita entre apenas dois personagens da sala, contrastada com ricas interações e jogos de sedução entre a inteira comunidade "chateira" talvez sirva como metáfora descrevendo como é tão diferente nosso comportamento social durante situações grupais comparado com ambientes ocupados por apenas duas pessoas. A heteroglossia bakhtiniana exemplificada em diálogos com vinte ou mais "screen names" conversando (pois é, teclando) ao mesmo tempo durante qualquer momento determinado da narração pode enjoar, desorientar, e confundir até o leitor mais perspicaz. Talvez interpretemos essa técnica como sendo uma reconfiguração pós-modernista da problemática de pseudonímia, ou em alguns casos, da heteronímia. Os personagens, na verdade, procuram cumprir o futil sonho modernista de Fernando Pessoa quando se desdobrou em Álvaro de Campos, ao tentar atingir um estado utópico da existência possibilitando o "Ser tudo de todas as maneiras." Talvez este sonho se transforme em realidade virtual, alcançada por produtivos vôos feitos no ciber-espaço . . .
    Para terminar este nosso vôo juntos, gostaria de apontar para minha própria experiência desconcertante na hora de ler esse texto. Para realmente compreender o desenvolvimento psicológico dos relacionamentos afetivos entre os vários "screen names," tive que ignorar o "barulho" da conversa fiada de outros personagens secundários, interagindo de maneira tão superficial, me distraindo dos diálogos mais intimistas estabelecidos nas comunicações interativas da colibri, hhhh, e virgem. Neste processo frenético de tentar privilegiar a voz de poucos num universo completamente polifônico, tive a vaga sensação de ter me transformado em voyeur, patetica e urgentemente querendo saber das conversas cibersexualizadas trocadas de madrugada-encontros imaginários, sim, mas virtualmente possíveis
    .
    É, é verdade--eu, como crítico literário, me converti no "hacker" mais violento do texto. Depois de chegar meio que abruptamente no "Fim da conexão," ou seja, no finalzinho do texto, me pergunto se minha navegação foi feita em vão, se realmente valeu a pena? Respondo que navegar foi preciso, sim. Mas confesso uma pequena sacanagem da minha própria invenção: curti, afinal de contas, uma viagem de barco e não de avião. Foi preciso navegar num navio carnavalesco para testar os limites da linguagem, passando das páginas impressas de um livro, viajando até as palavras dinâmicas produzidas pela tela do computador, e voltando novamente-fim do Carnaval-para as páginas consagradas do livro. Durante a viagem, senti a nítida sensação de estar afogando, sim, mas sobrevivi. Enfim, escorreguei e mergulhei no imaginário cibernético da sala de bate-papo com este romance.
    Para encerrar esta minha comunicação sobre a virtualidade, gostaria de reiterar principalmente sua ligação com a ficção, e portanto, o tema do nosso painel de hoje. Para fazer isto da maneira mais eficiente, cito apenas duas sentenças escritas por Miriam Alves no seu artigo, "Lésbica Virtual--Configurações de uma Cibercultura": "O olhar virtual captura o outro naquilo que deseja ser capturado e da forma que deseja ser capturado e capturar. Pode-se ser o que quiser: idade, sexo, profissão, aspecto físico, história pessoal; em outras palavras, escolhe-se um aspecto da própria vida ou inventa-se um, como quem cria uma personagem. Criando-se um enredo, faz-se o que se quiser, estabelece-se uma inter-relação com o outro, numa interface" (67).

    Steven F. Butterman, Ph.D.
    Comunicação p/ AATSP Annual Meeting
    Rio de Janeiro, Brasil
    Sexta-feira, dia 2 de agosto (11.45 - 1)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O anjo-fog

O anjo tornou-se parte —
é mais que fog, é anjo-arte.
Urhacy Faustino
Do livro Gênese revisitada – O anjo-fog

domingo, 5 de fevereiro de 2012

o dia do caçador

    Não é o colibri que passa apressado na minha casa,
    é o colibri que beija, sexualiza a flor batendo asa.
    Não é a poesia que sai de uma noite insone
    como que no desespero falasse seu nome.
    Não é a vida que se leva rasgada de muitos amores,
    é o amor regado de duas vidas ímpares e multicores.
    Não é a palavra certa após o ato falho,
    é o conjunto dos gestos que verbaliza o trabalho.
    Não é a estrutura perfeita que faz o verso
    é o subtexto que se descobre imerso
    nas entrelinhas de uma obra aberta.
    Não é a perseguição em lúcido desvario,
    não é a idéia brilhante em descoberta,
    mas a escuridão deflorada pelo desafio.

    Urhacy Faustino -  Poema do livo: "Sonhos e Confiscos", Blocos, 1997, RJ

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Ode et amo, serpentes e colibris






"todo anjo é terrível! E eu os invoco, criaturas quase inefáveis a alma, sabendo quem sois.”                                                          

rainer maria rilke – praga, 1875.

 

se  rilke  não  tivesse existido eu o  inventaria, igualzinho ao que ele foi: filósofo, poeta, sábio, mestre e tcheco.

ODEIO   APENAS:   mentiras   e   beterrabas,  beterrabas até engulo cruas, mentiras  nem cruas,  nem nuas, nem com casca... porque mentiras apodrecem a ALMA..

ABOMINO:   falta  de  caráter,   pobreza   de  espírito, inveja, cobiça,  rancor,   falcatruas,   traições,  intrigas, desonestidade, serpentes, escorpiões, máscaras, porque tudo DESTRÓI.

DESPREZO:  a  falta de solidariedade, a falta de amor próprio,  o egoísmo, o egocentrismo, a futilidade,  a avareza, o orgulho, a covardia, porque tudo DIMINUI.

AMO:  a vida,  a verdade  absoluta,  o caráter,  a dignidade,  o glamour,  a simplicidade,  a honestidade,  a força,  a vontade, a luta,   o prazer,   o belo,   o poder   da  doação,  a  amizade,  a escolha,  a  hombridade,  a coragem,  o desnudar  de   alma,  a entrega   plena...  a capacidade  de:  dividir, olhar, tocar, sentir, acreditar, deitar, beijar,  lamber,  ouvir, degustar, a coragem de expor  medos  e  fraquezas,  a coragem  de olhar por dentro da gente  mesmo e admitir  que,  mesmo tentando nos transformar, somos  humanos e  erramos.  porque  tudo  é poético,  mágico, encantador  e   CONSTRÓI   e  se  constrói,  até   a  divisão é sinônimo de SOMA.

EU,  urha,  sou o caçador de encantos,  e  só quero lirismo que liberta,  pois o colibri tem que voar para sugar o néctar fresco e doce  da  jovem  e  colorida  flor de hibisco todas  as manhãs...  vinde a mim os passarinhos,  quando  quiserem  e  se quiserem, porque para mim, amor é LIBERTAÇÃO.

sigo  só, vagalumeando sozinho,  mas sempre na direção da luz, da paz,  da harmonia, da beleza, da crença e do amor absoluto, porque  quero  levar  desta   vida  o  doce,  o  bom,  o  belo,  e principalmente o ingênuo e puro, porque dentro de mim  cultivo a  criança  eterna  que  sempre  terá  rosto  e forma, que ri, que chora,  que  acredita,  que  pensa,  que  doa,  que  brinca,   que sonha, que tem medo,  que tem fraquezas,  que tem forças, que verga,  que quebra,  que junta, que corre, que pára, que (acima de tudo)  vê  a  alma de quem entra no seu mundo e que atende pelo nome de urhacy faustino.

Urhacy Faustino

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

pelo nunca que foi tanto

 

Eu nunca escrevi poemas pra você, nem mensagens de ano novo, páscoa, dia dos namorados, aniversário ou natal. Nossa história heavy metal se fez ao som dos nossos ídolos. Você ouvindo Black Sabbat e eu na tua aba, eu ouvindo Cradle of filth e você colecionando cds importados do Slayer e decorando as letras do Mercy full fate , em êxtase, deleite...

Eu nunca te levei a praia. Nunca comemos peixe frito vendo o sol se por no mar, mas nosso romance teve um colorido de alta resolução. Parecia crença, era devoção...

Minha mão sempre esteve estendida e a tua sempre esteve querendo alcançar a minha... Mas a gente nem se esforçou para que elas se tocassem, porque mesmo longe parecíamos atados, grudados, mas estávamos enganados...

A gente devia ter ido ao cinema, a praia, ao teatro, comido peixe frito e ouvido os nossos gritos... a gente devia ter se unido e bebido os nossos gemidos... Acabamos nos perdendo, em solidão acompanhada...

Urhacy Faustino

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Areia movediça

Eternizo-me nas buscas e nem sei o que procuro. Às vezes um rosto diluído — o teu — nas sombras escuras e desconhecidas da minha inconsciência. Santas, uma mão que sinto e que negas me tocar, ou então a luz viva, do pirilampo, acesa ao longe. Eu não entendo ou decodifico qualquer sinal.

Há lua lá fora?, eu não sei! Não tive o ímpeto ou sequer a vontade de olhar a janela aberta à minha frente. Só sei do silêncio, porque o escuto e ele incomoda-me as falas tantas que divagam em mim.

Percebo que meu cão está desesperado, porque a pulga morde o meu pé — deus não tenho tido olhos para meu amigo. Amanhã, não esqueço: compro o remédio. Será? Tenho esquecido tudo ultimamente.

Olho meu umbigo e ainda sinto a dor do corte. Reminiscências da vida uterina. Estou querendo proteção . Anjos e fadas sorriem da minha dor dilacerada. Onde dói ou o que dói eu não sei. Mas a alma estilhaçada eu sei.

Toca o telefone, meu amigo chora comigo.  Juntos, ao mesmo tempo tão separados pelos dois mil quilômetros entre nossos estados, vivemos o mesmo baile mudo: o tango está apenas em nossas cabeças. Entre nós, cúmplices, existe o desejo de risos futuros. Desligamos com promessas de uma noite de sonhos mágicos.

Novamente só e sozinho, noite adentro, escuto os meus pesadelos. Galos cantam. As pulgas, alimentadas, deixam meu cachorro dormir. O gato ronrona ao meu lado. A minha dulcinéia sonha nossos sonhos. Eu, cavaleiro andante, reluto ao sono: não posso vencê-lo, bem sei, mas sou difícil de corromper. 

Urhacy Faustino

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

dentro e fora de mim...

Ophrys incubacea Bianca

Há dias que eu estou no ovo. É um tipo de ver a vida por dentro: antes de nascer. Aqui, neste útero independente é quente, protegido, não tem hipocrisia, falsidade ou traições... Prefiro estar dentro deste invólucro do que exposto à luz. Sou vampiro mesmo, e, por natureza gosto de escuridão! Pena que sempre o ovo trinca, quebra, racha e eu tenho que nascer novo, de novo... É um ciclo que parece que não tem fim. Às vezes dentro, às vezes fora de mim mesmo. Aqui, ali, lá ou em Bagdá eu e meus sentimentos de solidão, de urgência ou ainda de emergência. Alma inquieta que só os escolhidos, por um deus qualquer, podem saber ou entender. Mas nem sou um escolhido, porque me sinto tão cobrado?

Era início, mas parecia ser antigo, era início.
Então... Hoje eu acordei  meio, eu não acordei inteiro! Mas eu não sou inteiro nunca... Eu sou um misto de muitas coisas... Como poderia ter acordado inteiro hoje? Não importa, mas hoje, realmente,  eu acordei meio:  leso, triste, cabreiro, sentimental, caído.... É diferente... Porque eu sou meio homem, meio cavalo (gêmeos/sagitário), meio anjo, meio vampiro, meio novo, meio velho... É diferente! Hoje não me reconheci.

Urhacy Faustino

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

nós ou nozes? — sei do gosto, mas só lembro que existe no natal

 




... Nem mesmo o perfume de tantos anos eu reconheço! Tornou-se apática e estranha a tua presença... Como guardados antigos — coisas amorfas, passadas, mortas, mofadas — que, de repente, ao abrir uma caixa esquecida, nos saltam aos olhos. Até dá uma certa ilusão de saudade, mas, de tão remota, nem mesmo remonta à emoção vivida... É, eu te esqueci! Me lembro agora que fiz tanto esforço para isso, mas nem mesmo sinto o peso do sofrimento da época. Tempo! Ah, o tempo!, quem diria, seca tudo. Nem chagas, nem cicatrizes... Eu te conheço, eu sei. Mas é tão confortável saber que te esqueço assim que for embora.

Urhacy Faustino

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Estado I




Insone. É, minha vida tem sido de insônias. Antes, dormir era perder tempo. Hoje, é uma graça que pouco recebo.

É certo que não gosto de dormir a noite. Ela é dos meus fantasmas e tenho tantos! Sensações, vultos tênues, silhuetas, fog. Ah, convívio de anos.

Surge o sol. Eu, vampiro, devia dormir, mas não tenho sono. Chega-me outra noite, e um novo conluio com os habitantes do escuro. Tem sido assim: dois sóis para um desmaio. E o resto, desespero.

Urhacy Faustino

domingo, 29 de janeiro de 2012

colibri

Toca em mim,
dou flores
precoces.

    sábado, 28 de janeiro de 2012

    Exceção


    Minha avó tinha um contentamento insano
    em um, único, dos 365 dias do ano.
    Nos outros era resignada
    em suas tarefas sagradas:
    o cuidadoso cultivo de flores,
    para alimentar borboletas e beija-flores;
    a mão firme e sempre coesa
    em cada ponto do crocê da mesa;
    e o preparo dos doces em conservas,
    todos aromatizados com finas ervas.
    Neste dia,
    até champanhe bebia
    entre os filhos, netos, bisnetos e noras:
    ultrapassando seus limites de velha senhora,
    tudo era permitido na grandiosa ceia de natal,
    o seu dia literamente desigual.

    Urhacy Faustino

    quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

    Distanciamento crítico

     

     

              "Falta ao nosso desejo a música erudita"
                                      Rimbaud

      E Mozart?
      Enquanto o gênio mal tinha o que comer
      o que fazias?
      Na certa ouvias os seus réquiens
      e choravas de emoção...

                                         Urhacy Faustino

        Poema do livo: "Sonhos e Confiscos", Blocos, 1997, RJ

    quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

    consciência

      Cansei de levar o mundo nas costas,
      de pisar em ovos
      e segurar barras.

      Agora quero uma cama de pregos,
      uma colcha de arame farpado,
      tachinhas nas luvas
      e cravos nos chinelos.

      Abrindo feridas,
      posso cicatrizá-las.

                Urhacy Faustino
      Poema do livo: "Primeira antologia dos poetas internautas", Blocos, 1997, RJ

    terça-feira, 24 de janeiro de 2012

    culturas




      Anos a fio, sem ter planejado,
      cultuando figuras de linguagem —
      ametistas amadurecendo violáceas
      O tempo preciso para fazer cria.
      Depois cio.

                                                                    Urhacy Faustino

      Poema do livo: "Sonhos e Confiscos", Blocos, 1997, RJ

    segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

    Haicai




      Os meus sentimentos

      — como origami em arame —

      sempre em movimentos

      Urhacy Faustino

      Poema do livo: "Sonhos e Confiscos", Blocos, 1997, RJ

    domingo, 22 de janeiro de 2012

    concorrência



       

      O pontilhismo pode ser obra cara,
      mas não tão rara
      quanto as joaninhas.

       

                  Urhacy Faustino - Poema do livo: "Sonhos e Confiscos"
                  Blocos, 1997, RJ

                sábado, 21 de janeiro de 2012

                COMO ÁRVORES: TROCANDO DE FOLHAS

                 

                Era uma pálida idéia, ou uma ingênua vontade,
                de certa forma, um começo leve, sem elaboração...
                Como em todos os amores nutria-se de palavras belas,
                momentos que, tantas vezes, eram apenas silêncios.
                Não se pensava que tapando as diferenças
                abriam-se sepulturas para se enterrar depois.
                A frustração ou o desencanto era visto como saudade,
                mas era um imenso vazio tão frio e perdido
                como o iceberg que inicia a viagem pelo oceano,
                até se desfazer e deixar de ser, ou se transformar.
                A palavra não fazia sentido no contexto,
                porque não se pode transformar o que não existe.
                Os olhos não podiam ver que a alma penava,
                e o coração não tinha força para gritar ou rebelar-se...
                A gente não é mais o mesmo,
                e nem quer mais ser mais, mesmo.

                                                                                            Urhacy Faustino

                sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

                animais de estimação



                   

                  Cães e gatos
                  nunca entraram na minha casa.
                  Talvez porque papai achasse
                  que bastava eu e meus irmãos.

                   

                  Urhacy Faustino - Poema do livo: "Sonhos e Confiscos", Blocos, 1997, RJ

                quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

                a olho nu





                                  Ontem vi a lua
                                  cobrindo o sol, em plena rua,
                                  me disseram ser um eclipse.
                                  Para mim era coito, ipsis litteris.

                                                                                           Urhacy Faustino Poema do livo: "Sonhos e Confiscos", Blocos, 1997, RJ
                                 


                              quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

                              A alma é que estraga o amor *



                              Tem sido, então, a alma a minha destruição.
                              Quero antes de tudo a cópula do espírito,
                              o encontro quente e úmido da sua essência.

                              Seria Deus um grandíssimo amante egoísta,
                              ao guardar, para si, a compreensão das almas?

                              Antes de tudo quero a comunhão do sagrado,
                              que seja, eu, um maldito condenado e profano,
                              mas preciso venerar o corpo e possuir a anima.

                              (aos 120 anos de * Manuel Bandeira
                              e aos amores que a vida me deu)

                                  urhacy faustino

                              terça-feira, 17 de janeiro de 2012

                              Genes recessivos

                               

                              Nem era inverno
                              e o pasto já estava seco.
                              As vacas pastavam
                              a grama descorada.
                              Ressentiam.
                              Penso que ruminavam
                              sonhando o gosto do verde,
                              que veio para os meus olhos.

                               

                                Urhacy Faustino - Do livro: "Sonhos e confiscos", Blocos, 1997, RJ

                              segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

                              frágil

                                 

                                Foi sem querer que  quebrei
                                a xícara de porcelana inglesa,
                                aquela que eu te servia chá
                                nos momentos de paz,
                                ou veneno, em doses mínimas,
                                pra te matar a longo prazo.
                                Juntar os cacos, jamais.
                                Inteiro visto-me de gato,
                                olho já cerrado na caça,
                                atento a novos cios.

                                                                         Urhacy Faustino
                                Poema do livo: "Sonhos e Confiscos", Blocos, 1997, RJ

                                domingo, 15 de janeiro de 2012

                                laços

                                   

                                  vez por outra
                                  faço feixe
                                  com as palavras
                                  como lenhador
                                  com as lenhas
                                  e carrego-o nas costas
                                  vez em quando
                                  cai um graveto
                                  e meu caminho
                                  vai ficando assinalado.

                                          Urhacy Faustino
                                  Do livro: "Laços e embaraços", Edicon, 1989, SP

                                sábado, 14 de janeiro de 2012

                                o dia do caçador

                                  Não é o colibri que passa apressado na minha casa,
                                  é o colibri que beija, sexualiza a flor batendo asa.
                                  Não é a poesia que sai de uma noite insone
                                  como que no desespero falasse seu nome.
                                  Não é a vida que se leva rasgada de muitos amores,
                                  é o amor regado de duas vidas ímpares e multicores.
                                  Não é a palavra certa após o ato falho,
                                  é o conjunto dos gestos que verbaliza o trabalho.
                                  Não é a estrutura perfeita que faz o verso
                                  é o subtexto que se descobre imerso
                                  nas entrelinhas de uma obra aberta.
                                  Não é a perseguição em lúcido desvario,
                                  não é a idéia brilhante em descoberta,
                                  mas a escuridão deflorada pelo desafio.

                                  Urhacy Faustino

                                   

                                                 

                                                                          sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

                                                                          Eu sou a garça branca que vive em bando

                                                                            é sempre verde o meu olhar
                                                                            sobre o povo os campos e o mar.
                                                                            não rumino miséria nem sentimento hostil
                                                                            sobre estas terras descobertas num abril.
                                                                            tenho — sem vergonha de dizer —
                                                                            uma inexplicada paixão extremada,
                                                                            por esta minha pátria amada.
                                                                            minha terra tem olavo castro alvares e palmeiras,
                                                                            tem helena maju kk cida sandra nilza banderas
                                                                            minha terra tem cecília coralina alice e garças,
                                                                            tem leminski behr gutfreind quintana graças.
                                                                            minha terra tem leila e uma enorme riqueza
                                                                            de sentimentos, letras, versos e beleza.
                                                                                           Urhacy Faustino

                                                                          quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

                                                                          haikuras

                                                                           

                                                                          O casulo feito
                                                                          bicho dentro dele dorme
                                                                          vestido de seda.
                                                                          ======
                                                                          De papel crepom
                                                                          eu, origamicamente,
                                                                          desdobro mulheres.
                                                                          ======
                                                                          Muitos ventos sopram.
                                                                          Dentro e fora de mim uivam
                                                                          lobos que não sou.
                                                                          ======
                                                                          Se planto parreiras,
                                                                          nestas videiras vermelhas,
                                                                          eu colho ametistas.

                                                                          Urhacy Faustino

                                                                          quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

                                                                          exposição de desmotivos ou imposição de motivos

                                                                           

                                                                           



                                                                               Não há porque amar Dante
                                                                               se é Rilke quem me seduz.
                                                                               Não há porque amar Michelangelo
                                                                               se são Monet, Miró e Van Gogh
                                                                               que fascinam as meninas
                                                                               — dos meus olhos.
                                                                               Não há porque amar Charllote
                                                                               se é Emily quem me tem por horas.
                                                                               Não há porque explicar a obra de arte,
                                                                               muito menos o amor.

                                                                          Urhacy Faustino

                                                                          domingo, 8 de janeiro de 2012

                                                                          perCURSO

                                                                           

                                                                          joaninhaastronauta (joaninha, quadro de Urhacy Faustino)

                                                                           

                                                                          Da roça à urbe,
                                                                          das vacas e seus úberes,
                                                                          ao teclado do micro.

                                                                          Do seio materno
                                                                          — corte no cordão umbilical —
                                                                          ao novo.

                                                                          Parte rural,
                                                                          outra urbana:
                                                                          inteiro aprendiz de tudo.

                                                                          Urhacy Faustino

                                                                          sábado, 7 de janeiro de 2012

                                                                          inventário de safras

                                                                          I

                                                                          Ceifar o trigo;
                                                                          ordenhar a vaca;
                                                                          moer café.

                                                                          Beneficiar o pão;
                                                                          manipular o leite;
                                                                          extrair a essência.

                                                                          Preparar a mesa, da manhã.

                                                                          II

                                                                          Observar lua propícia,
                                                                          plantar, na certa colher:
                                                                          arroz, feijão, hortaliças e flores —
                                                                          não esquecer: colibri precisa comer.

                                                                          Tratar bem galo e suas galinhas
                                                                          para ter ovos e despertador.

                                                                          E rezas para agradecer farturas
                                                                          no almoço e no jantar.

                                                                          III

                                                                          Noite,
                                                                          piar de coruja, longe.
                                                                          Um silêncio quase,
                                                                          não fosse o ruminar dos animais.

                                                                          Pirilampo que se perdeu do pasto,
                                                                          faz-se estrela única,
                                                                          no teto do quarto escuro.

                                                                          IV

                                                                          Cão amigo,
                                                                          para ladrar estranhos.
                                                                          Gatos no telhado —
                                                                          aquecedores de pés em noites de inverno.

                                                                          Livros, muitos deles,
                                                                          espalhados nos cantos certos da casa.

                                                                          E uma avó, cheia de histórias,
                                                                          na mesa de cabeceira,
                                                                          para os dias de preguiça.

                                                                          Urhacy Faustino

                                                                          sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

                                                                          de boca aberta


                                                                          Em nossas brigas não voam televisões,
                                                                          nem há corporais agressões:
                                                                          o verbo é a flecha que nos perfura
                                                                          mesmo nos tempos e modos que a gente se censura.
                                                                          Trocamos o costumeiro texto sacana
                                                                          por verborrágica luta insana
                                                                          e, se alguém se sente em desvantagem,
                                                                          apela pra figuras de linguagem,
                                                                          misturando metáforas, pleonasmos,
                                                                          com licenças poéticas, no orgasmo
                                                                          ao medirem forças dois titãs.
                                                                          Até que já sem fala, de manhã,
                                                                          mais sedentos que famintos, como taças
                                                                          nos bebemos um ao outro, extasiados
                                                                          de repente sem palavras, embriagados,
                                                                          (eis que a língua se enrola, a gramática falha),
                                                                          nos lambemos em nossa cama de batalha,
                                                                          onde desejos e tesões explodem atômicos
                                                                          em delírios guturais, gozando afônicos.
                                                                          Urhacy Faustino

                                                                          quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

                                                                          inocência

                                                                          silvanaapminha irmã Silvana hoje em dia 

                                                                           

                                                                          Para Silvana

                                                                          Fui a babá perfeita
                                                                          de minha irmã caçula.
                                                                          E como fui paciente!
                                                                          Colhia espigas novas
                                                                          pra danadinha
                                                                          fazer boneca.
                                                                          Brincando de cabelereira,
                                                                          ela estragava rapidamente todas
                                                                          e queria sempre que eu pegasse mais.
                                                                          Juntos, destruímos milharais...

                                                                          Urhacy Faustino

                                                                          quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

                                                                          reversão


                                                                          (obra de Portinari)
                                                                          Em toda safra
                                                                          meu pai fazia espantalho
                                                                          para espantar passarinho
                                                                          — heranças do meu avô.
                                                                          Escondido entre os galhos
                                                                          eu vi a vida amadurecer
                                                                          meu pai empobrecer
                                                                          meu avô falecer
                                                                          — rugas fundas, cova rasa...
                                                                          Herdar o espantalho, nunca!
                                                                          Eu bati asas.
                                                                          Urhacy Faustino

                                                                          terça-feira, 3 de janeiro de 2012

                                                                          transparência

                                                                          Foi-se o tempo
                                                                          em que eu apreciava lágrimas
                                                                          através do espelho.
                                                                          Descobri as gotas de chuva
                                                                          na vidraça.

                                                                          Urhacy Faustino

                                                                          segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

                                                                          inversão de valores

                                                                          Na minha infância
                                                                          não conheci moeda,
                                                                          se não o celeiro cheio
                                                                          e as vacas gordas.

                                                                          Precisava de roupa
                                                                          trocava algodão por fazenda.
                                                                          Caricia de aliança
                                                                          trocava o trigo pelo ouro.

                                                                          E éramos felizes!

                                                                          Meus irmãos iludiram meus pais
                                                                          com a visão dos novos tempos
                                                                          e modernizaram tudo.
                                                                          Saíram das tetas das vacas
                                                                          direto para as teclas dos computadores:
                                                                          não conseguiram ordenhar as máquinas.

                                                                          Hoje trocamos dívidas.

                                                                          Urhacy Faustino

                                                                          domingo, 1 de janeiro de 2012

                                                                          Olavo em extremos ou Bilac revisitado

                                                                          (Obra de Stock)

                                                                          (paródia de "In Extremis")

                                                                               Sempre gozar assim! Sempre gozar em noites
                                                                               Assim! de lua assim!
                                                                                                         Que despida pernoites,
                                                                               Quente! prontos aos meus os teus lábios selados,
                                                                               E molhando os teus os meus toques safados... 

                                                                               E uma noite assim! de lua assim! Sim, verão
                                                                               Se fará sempre incêndio, sem meia-estação!
                                                                               Chamas, brasas, faíscas, rubro fogaréu!
                                                                               Gemidos nada brandos! O meu pau como troféu
                                                                               Destrancando os portais, arrombando o casebre... 

                                                                               E em teu íntimo, o céu. E este afã! E esta febre!
                                                                               Nós dois... e, entre nós dois, amante e libertino,
                                                                               A acercar-me de ti, sempre mais, o destino... 

                                                                               Eu com o membro febril a pulsar — vigoroso —
                                                                               Por ti, tal o tesão desnorteio de gozo!
                                                                               Tu, fitando mexer entumescidamente
                                                                               O sexo que bailava ainda há pouco, recente,
                                                                               O sexo que foi teu! 

                                                                                                       E eu dormindo! e eu dormindo
                                                                               Sonho-te, e sonho a paz, e sonho a luz, sentindo
                                                                               Tão voraz sem ligar ao cansaço que boda,
                                                                               A carícia da foda! a carícia da foda!

                                                                                                                                  Urhacy Faustino